domingo, 6 de dezembro de 2009

Gentileza gera gentileza

Retomar a delicadeza relegada ao esquecimento melhora a qualidade de vida e as relações cotidianas .

Faça um rápido teste de memória. Você cumprimentou seu vizinho hoje de manhã no elevador? Desejou bom dia ao porteiro quando cruzou com ele na portaria como faz todas as manhãs? Deu passagem para o carro que precisava mudar de pista para entrar numa rua transversal? Esperou pacientemente o carro da frente andar sem buzinar quando o sinal ficou verde? Se respondeu negativamente a alguma das perguntas acima, saiba que, além de agir de forma tremendamente mal-educada, você está fazendo mal à sua própria saúde - e à das pessoas que o cercam.

Segundo o livro A arte da gentileza, de Piero Ferruci (ed. Alegro), pesquisas científicas confirmam que pessoas gentis são mais saudáveis e vivem mais, são mais amadas e produtivas, têm mais sucesso nos negócios e são mais felizes. ''Ser gentil nos faz tão bem quanto ser alvo de uma gentileza'', garante o autor. Por outro lado, a não-gentileza gera sentimentos negativos, atrapalha as relações e pode até deixar a pessoa doente, já que quando alguém é alvo de grosseria, falta de educação, o sistema nervoso reage liberando hormônios como a adrenalina, que desequilibram o organismo. Até a musculatura é afetada e reage à falta de gentileza se contraindo, deixando o corpo cada vez mais tenso.

''A falta de gentileza, caracterizada por um ambiente de grosseria e violência, se constitui em um fator estressor que leva o indivíduo ao desenvolvimento do estresse crônico. Por conseqüência, a qualidade de vida acaba sendo afetada, incluindo a saúde'', confirma a psicóloga Lucia Novaes, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress.

O que a ciência agora comprova vai ao encontro do que o profeta Gentileza passou grande parte da vida pregando e escrevendo nos 55 murais que criou sob o viaduto do Gasômetro, próximo à Rodoviária Novo Rio. Sua mensagem podia ser resumida na frase-síntese ''gentileza gera gentileza''.

Os murais, restaurados há cinco anos pelo projeto Rio com Gentileza, coordenado pelo filósofo Leonardo Guelman, hoje se encontram de novo danificados por pichações logo abaixo das inscrições do profeta. Mais ou menos como a própria gentileza, tão fora de moda nos dias que correm.

''O Gentileza denunciava uma crise ética, de valores. Segundo ele, tudo passa pelo favor. O simples fato de pedirmos 'por favor' e agradecer com um 'obrigado' denotava que adotamos a troca na base do toma-lá-dá-cá, típico do mundo individualista, produto do capitalismo que ele batizou de 'capeta capital''', afirma Guelman, autor do livro Brasil, tempo de gentileza (Eduff), sobre o profeta que morreu aos 79 anos, em 1996.

Para o profeta, ficamos cegos e surdos e perdemos a capacidade de ver e ouvir o outro. Segundo a psicoterapeuta e educadora Sandra Celano, o pronome nós, nesse mundo tão individualista, agrega no máximo o núcleo familiar. ''Então, como esperar que um seja gentil com o outro em pequenas ações cotidianas, se as pessoas não conseguem nem perceber o outro?'', questiona. Até em uma discussão é possível manter a gentileza. ''Basta prestar atenção ao que a outra pessoa diz e se expressar considerando suas razões e seu ponto de vista'', completa Sandra, que observa em seu consultório o crescimento da falta de gentileza como uma das queixas comuns de seus pacientes.

Um dos ambientes onde a falta de delicadeza e gentileza mais se manifesta é no local de trabalho. Muitas vezes, as pessoas confundem relações profissionais com frieza e rispidez. E deixam de agradecer um serviço só porque este está sendo pago.

''Hoje já existem empresas que têm como meta o bem-estar dos seus funcionários. Não porque sejam boazinhas, pois toda empresa precisa gerar lucros, mas, sim, porque descobriram que onde há bem-estar, há produtividade, pois as pessoas trabalham felizes'', observa Alkíndar de Oliveira, consultor de empresas e autor de Viver é simples, nós é que complicamos (ed. Didier). ''Neste novo mundo corporativo que está surgindo, há uma ferramenta que tende a ser a mais importante na convivência profissional. Trata-se da afetividade. E a gentileza é um dos frutos da árvore do afeto.''

Como todo profeta, Gentileza denunciava a crise e anunciava uma boa nova. Para ele, assim como a natureza nos dá tudo de graça, temos que retomar um tempo a troca desinteressada. O primeiro passo seria bem simples: dizer sempre 'agradecido' e 'por gentileza', em vez das fórmulas consagradas - que já foram esquecidas por muita gente, porém sem nenhuma substituição.

Uma das pessoas que foram tocadas pela obra de Gentileza foi a compositora Marisa Monte, que transformou alguns de seus versos em uma canção com o nome do profeta. Marisa fez a música no dia em que foi apresentar os murais ao parceiro Carlinhos Brown, antes do projeto de recuperação, e viu que não havia mais nada. Chocada, escreveu a música.

A cantora acha que a mensagem de Gentileza está cada vez mais atual. ''Com o ritmo acelerado das cidades, as pessoas estão perdendo a noção de gentileza, que é uma espécie de pureza refrescante para a vida, para o dia-a-dia.'' Ainda hoje, ela se comove em ver que alguém dedicou sua vida para falar da importância de ser gentil, e em vez de pedir dinheiro, ia de carro em carro oferecer uma flor. ''Ele foi uma pessoa linda que plantou a semente da gentileza.''

Buda também identificou alguns benefícios de se cultivar a gentileza, como dormir bem, ser amado, ter proteção dos seres divinos, e uma mente serena. De nada adianta, no entanto, começar a ser gentil para obter tais resultados e melhora da qualidade de vida, pois falsidade é algo diametralmente oposto à proposta. E, por princípio, a gentileza é necessariamente desinteressada. Como o escritor britânico Aldous Huxley afirmou, no fim da vida. ''É desconcertante que, após anos e anos de pesquisas e experimentações, eu tenha que dizer que a melhor técnica para transformar nossas vidas seja ser mais gentil''.

Algo bastante urgente de ser lembrado nos dias de hoje. Pois se gentileza gera gentileza, a sua falta só pode produzir uma carência ainda maior, daí o cenário aterrador de um mundo de rispidez e impaciência, e seus assustadores índices de violência - não como causa única, evidentemente.

''A falta de gentileza e a hostilidade nas relações podem contribuir para um mundo estressante, na medida em que essas atitudes são contagiosas. Violência gera violência, hostilidade gera hostilidade, raiva gera raiva'', acredita a psicóloga Lúcia Novaes. Por outro lado, diz ela, o mundo estressado, com tantas demandas, com a necessidade de se fazer cada vez mais coisas em menos tempo e mais perfeitas abre espaço para atitudes agressivas, raivosas e hostis. ''É um círculo vicioso.''

No ano que vem, para marcar os dez anos da morte de Gentileza, um grupo de artistas e intelectuais afinados com a causa do profeta deve retomar o projeto Rio com Gentileza, com manifestações festivas pela cidade para lembrar a atualidade do pensamento do profeta.

''Se ele estivesse entre nós, continuaria pregando a gentileza, já que seu avesso, a rudeza e a violência, infelizmente não saíram de moda'', acredita Guelman, que também reivindica junto à prefeitura um maior cuidado com os murais, que ele quer ver cercados e iluminados. ''São um patrimônio afetivo da cidade.''

A importância de se adotar a atitude no cotidiano é bem expressada pelo teólogo Leonardo Boff, em artigo intitulado ''Espírito de Gentileza'' (disponível na íntegra no site leonardoboff.com). ''Este espírito nunca ganhou centralidade, por isso somos tão vazios e violentos. Hoje ele é urgente. Ou seremos gentis e cuidantes ou nos entredevoraremos.''

Cíntia Parcias e Clarisse Meireles

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

MINOTAURO

Lendas e Mitologia


Minos, fruto do ventre de Europa, que fora raptada por Zeus quando caminhava distraidamente na praia.

Ao ser abandonada pelo amante divino, Europa se casou com um mortal, o rei de Creta, que criou Minos como seu legítimo filho.

Assim, Minos teve dois pais. Do segundo recebeu, além de amor e educação, a herança. Tornou-se rei.

Além de governar os férteis vales de Creta, tomou a bela e encantadora Pasífae como esposa.

Radiante, quis impressionar a todos, e como um tolo, começou a espalhar que teria os seus desejos atendidos pelos deuses. Ingenuamente pretensioso, fez com que suas palavras fossem com as ondas do mar.

Isso aguçou os ouvidos de Poseidon.

O rei cretense construiu um altar na areia da praia para Poseidon e diariamente orava.

Na oração um costume se impunha: fazia um pedido.

A oração tornava-se assim, não um ato puro de louvor, mas de troca, de barganhas, uma forma de se obter favores divinos.

Minos orava não para louvar ao deus, mas para conseguir algo, e tanto orou que seu pedido foi atendido: um belo touro que sacrificaria em honra ao deus.

Com a perspectiva da homenagem, com tanta veemência prometida, o vaidoso Poseidon, enviou, das profundezas do mar um touro branco.

Das espumas das águas emergiu o belo animal que foi caminhando em direção à praia.

Um belo animal que impressionou os olhos puros de Minos, que não podia se dar conta de que era semelhante ao magnífico touro branco que um dia apareceu na praia e se aproximou de sua mãe.

Fora assim, transformado num belo touro branco, que o sedutor Zeus quis um dia conquistar Europa.

Minos foi enredado no labirinto do seu coração e, prisioneiro das complexas artimanhas da mente embevecida pelo orgulho, trapaceou com o deus.

Matou um touro do seu próprio rebanho, na frágil ilusão de que conseguiria enganar Poseidon e sair ileso.

Guardou o touro branco para si, estabelecendo com esse gesto estúpido a semente da tragédia em sua vida.

Pasífae tentou inutilmente adverti-lo de que deveria agir com retidão, que agindo da maneira como agia, só poderia trazer conseqüências desagradáveis para a vida do casal.

Mas não era seu o hábito de ouvir a mulher.

Assim como os deuses assumem a forma de animais para seduzir suas amadas mortais, Pasífae tentava bravamente assumir a forma da consciência de Minos, mas ele não permitiu.

Fechando com enormes portões as entradas da alma para as sensatas palavras da esposa, consumiu a loucura.

Os minóicos viviam a vida placidamente em seus afazeres diários, mas ele, o rei, não teria mais paz.

Os deuses não admitiram a sua atitude.

A vingança foi terrível.Afrodite convocada, serviu aos propósitos vingativos.

Embora fosse a deusa do amor, de vez em quando promovia tragédias, dor e sofrimento.

A rima do amor talvez estivesse nascendo com ela, naqueles tempos.

Fez, com o seu poder, que a bondosa companheira de Minos se apaixonasse pelo belo touro.

Náusea, asco, horror, tudo isso desceu sobre Pasífae, como uma avalanche, mas, quem resiste ao poder de Afrodite?

Acuada pela irresistível paixão pelo animal, Pasífae ficou desesperada.

Seus lábios vermelhos ficaram úmidos de desejo e em estado de beijos, seu corpo teceu arrepios, sua condição de mulher desabrochou e ela se abriu para o amor.

Inútil fugir ao que sentia.

Dominada pelo desejo, enlouquecida, caiu em prantos, mas o desejo que escraviza também fornece a sua própria seiva.

Confidenciou com o fiel amigo de Minos, Dédalo, o incomparável artesão, o mais conceituado inventor da ilha de Creta.

Desde que chegou fugindo de Atenas, onde protagonizara uma tragédia ocasionada pelo seu doentio ciúme, Dédalo passou a servir a Minos, e muito contribuiu para o progresso da ilha com as suas invenções, que sempre traduziram a sua genialidade, tão imensa como a instabilidade do seu ser.

Ele construiu uma vaca de madeira, oca.

Dentro da falsa vaca, Pasífae, escondida, fazia o vergonhoso amor com o amante, o touro branco.

Contrariando a natureza, Pasífae, escondida dentro da engenhosa invenção de Dédalo, podia dar seqüência ao seu desejo anormal, do qual não podia fugir e contra o qual não podia lutar.

O touro branco diariamente a visitava, e juntos, os amantes se entregavam, saciando o furioso desejo.

Mas os deuses nunca estão satisfeitos!

O corpo de Pasífae atendeu ao capricho divino. Ela deu à luz a uma criatura monstruosa.

Seu filho, metade homem, metade touro.“

“Minotauro. Esse será o seu nome!” - disse entre lágrimas, com o coração cambaleando entre o nojo, a repulsa, o horror e a capacidade infinita de doação, que caracteriza o amor materno.

Das profundezas do seu coração, vinha a exclamação mais bela que já pronunciara até então, em pensamento e vontade: -“Seja você como for, o importante é que é meu filho! Venha como vier, mas seja meu!


”Ninguém presenciou a cena mais comovente da antiguidade, a mãe abraçando forte junto ao seu peito, o filho ainda ensangüentado do nascimento. E entre as lágrimas horrorizadas brotou o sorriso materno.

Minos caiu em desespero com a brutalidade do castigo de Pasífae.

A sua dor aumentou intensamente ao compreender que ele fora o culpado dessa tragédia. Esse foi o primeiro impedimento em sua alma para que matasse imediatamente o enteado.

Procurou o oráculo que o aconselhou a esconder a sua vergonhosa realidade.

Minos acolheu o conselho do Oráculo, e passou a mastigar em sua alma a forma de esconder a monstruosa criatura.

Teria que ser um esconderijo perfeito, impenetrável. Mas, como?...

Foi ao artesão e pediu-lhe que construísse o esconderijo perfeito para o filho de sua mulher. Algo que fosse absolutamente seguro, para que o Minotauro não pudesse escapar e nem ser visto pelos habitantes da ilha.

Dédalo ouviu pacientemente e sentiu um certo regozijo por estar pela segunda vez atendendo a um capricho da família real.

Nem por um átimo de segundo sentiu remorso por ter sido cúmplice do amor bestializado de Pasífae.

Os dias seguintes os viveu pensando incansavelmente na sua invenção.

Olhava todas as tardes para o incrível palácio de Knossos e se punha a pensar, até que adormecia entre os apetrechos da sua imensa oficina. Teria que ser algo diferente de tudo que já tivesse construído e tudo que já havia visto.

Então, sua alma artesã foi tomada por uma súbita luz: Labirinto!

Dia e noite, sem trégua, Dédalo trabalhou na sua invenção. Ninguém jamais o vira tão envolvido na construção de um projeto.

Trabalhou com a ajuda preciosa de centenas de trabalhadores, que, como escravos, carregaram as pedras até o local, sem que um deles sequer pudesse jamais imaginar qual o objetivo de tal construção.

Finalmente o labirinto estava construído.

Ariadne, a filha de Minos, sem compreender o que significava aquela movimentação, perguntava aos pais, sem obter respostas. Mas, dizem, uma mulher jamais desiste, e passou a viver para descobrir o que significava o labirinto.

Perguntava à mãe, nas conversas diárias, sobre o propósito de uma construção tão imensa.

A mãe, amiga e confidente, que dividia com Ariadne a dor da existência do Minotauro, não tinha também a resposta.

Sugeria que pudesse ser apenas vaidade de Minos ou mania de grandeza.

Ariadne olhava para ela, olhava para o meio irmão, para o pai, para o labirinto. Mas o segredo estava guardado de tal forma que parecia que jamais um sopro sequer lhe traria a resposta.

O rei no seu palácio de Knossos olhava admirado e satisfeito a construção do labirinto.

Ficava bêbado de emoção e satisfação diante da monumental obra de Dédalo.

Enquanto isso, Pasífae alimentava e cuidava do filho monstruoso, sem saber que, ao se separar do leite materno, o Minotauro seria vitimado por uma nova maldição. Para alimentar a sua fome, só conseguiria comer carne humana.

O rei Minos, colocou no centro do labirinto o monstro.

- Por que não o mataste? – perguntou Dédalo.

- Não posso! Não posso! Não posso...

Atormentado, se afastou em silêncio.

Não permitiu que Dédalo reparasse em seu rosto a sombra do desgosto e as lágrimas de profunda tristeza.

Anos após o nascimento do filho de Pasífae, com a morte do irmão Androgeu, Minos declara guerra a Atenas, para vingá-lo.

Vencedor, decretou que os atenienses enviassem, como tributo, a cada nove anos, sete moços e sete virgens para servirem de alimento ao Minotauro, e assim, aplacar a fome do monstro.

O rei Egeu havia participado da morte de seu irmão. O povo de Atenas pagaria então pelo erro do seu soberano.

Um homem portador de um segredo imenso, não podia confiar em ninguém e o rei Minos encerrou Dédalo e seu filho Ícaro no labirinto.

A cada nove anos, os atenienses em pranto e luto iam ao porto para se despedirem dos quatorze jovens que partiam para o sacrifício.

Ninguém sabia da verdade sobre o Minotauro, apenas que era um horrível monstro aprisionado no labirinto, que se alimentava de carne humana.

A embarcação hasteava em seu mastro uma vela preta.

No porto, lágrimas, dor e incompreensão.

O rei Egeu, por duas vezes sacrificou os jovens atenienses, causando tristeza.

Então, na terceira remessa de jovens, seu filho adotivo, um formoso rapaz, com os traços físicos de Poseidon, segundo alguns comentários, apresentou–se como voluntário para matar o Minotauro.

Egeu concordou.

Conhecia mais do que ninguém a coragem e a determinação de Teseu, naqueles dias aclamado e festejado como herói e única esperança em Atenas, passando a simbolizar entre os jovens a força da juventude.

Egeu lhe fala do significado das velas negras e decide que o navio dessa vez, simbolizando a esperança, levaria também velas brancas, que Teseu deveria içar quando retornasse, caso voltasse como vencedor em seu empreendimento.

O navio partiu.

Dessa vez, além de lágrimas e dor, a esperança também flutuou nos corações do porto.

Em Creta, Teseu anunciou-se como filho de Poseidon.

Para prová-lo, mergulhou no mar.

Um grupo de delfins o levou até o reino de Anfitrite, deusa do mar, que lhe ofertou um anel e uma coroa de flores.

Minos, que estranhara a chegada da embarcação com velas brancas e depois zombara de Teseu, ficou surpreso com o desaparecimento do jovem nas águas, mas, com o seu retorno portando os presentes da divindade das profundezas marítimas, prontamente se convenceu da veracidade da afirmação do estrangeiro.

- Peço-lhe a autorização para entrar no labirinto.

- Está bem, você é o filho de Poseidon. Pode entrar. Se conseguir o que promete, Atenas estará livre do tributo e nenhum jovem mais será sacrificado. Se falhar, que o Minotauro lhe beba o sangue!

Aquela conversa estava sendo ouvida por uma jovem de olhos curiosos que mirava com uma atenção diferente a face do rapaz, enquanto em seu próprio rosto, a pele subitamente rosada, e o brilho elegante no olhar revelava o surgimento de uma paixão pelo estranho.

Ariadne sorriu o seu sorriso mais puro e sua voz se abriu em doçura enquanto as palavras, como flores, procuravam cativar o jovem na aproximação que nascia.

- Eu posso ajudá-lo!

Qualquer homem ficaria perturbado pela sonoridade que escorria dos lábios vermelhos de Ariadne, e ela caiu em felicidade e interpretou como aconchego a demonstração de Teseu de que fora atingido pela perturbação provocada pela sua voz.

Foi o suficiente para ela acreditar numa correspondência de sentimentos e segredou-lhe quase num sussurro imperceptível a ajuda que tinha para oferecer.

Talvez Teseu estivesse realmente interessado em ouvi-la e levasse a sério as suas palavras, talvez não, mas como aprendera com a esmerada educação dada pelo pai, a ser gentil, principalmente com uma mulher, permitiu que Ariadne falasse.

Ariadne por amor o ajudou dando-lhe um rolo de linha.

Teseu, um valente que não sabia amar ouviu a explicação da mulher e compreendeu que ela lhe fornecia a chave do labirinto.

- “Prenda o fio na entrada do labirinto e vá seguindo com ele até o centro. Quando voltar, vá enrolando a linha e então ela o guiará de volta!”

Assim fez Teseu.

Ao chegar ao centro ficou repugnado com a presença da criatura.

Matou-a após uma luta ferrenha. A força do monstro contra a habilidade de Teseu.

Quando saiu do labirinto, Ariadne o esperava.

Embarcaram com os jovens atenienses no navio.

Ela, radiante na felicidade que a ilusão costuma produzir. Ao olhar para os olhos de Teseu pensara encontrar os caminhos do seu coração.

Milhões de instantes entre cada frase, vividos ilusoriamente, buscando em cada gesto o amor que não havia, e vendo na vitória de Teseu o maior momento do amor inexistente, parte com ele.

Não compreende um só instante o quanto está só, e vê amor onde só há distâncias.

Teseu não a amava.

Ao passarem por uma ilha, abandonou-a covardemente. Permaneceram alguns dias na ilha antes de retomar a viagem e no dia da partida, esperou que ela adormecesse e se foi.

Os jovens, que por ele sentiam uma profunda admiração, diante desse gesto olharam para o seu rosto com decepção e tristeza.

O silêncio se instalou na viagem.

Não deve ter sido fácil para eles verem se esfarelar diante dos seus olhos o herói a quem deviam a vida. Que outra espécie de monstro vive dentro de um homem que engana a mulher que o ama? Teria sido essa a pergunta que os acompanhou na viagem?

Ficou tão empolgado por ter enganado a mulher que o ajudou, aquela que nele confiou cegamente, e foi por ele abandonada covardemente, tão empolgado ficou que esqueceu o trato que havia feito com o pai.

Esqueceu-se de içar as velas brancas e o navio chegou com as velas pretas.

O rei Egeu, desgostoso, atirou-se ao mar.

A sua morte chocou os atenienses. Um manto silencioso cobriu os corações.

Quando Ariadne soube da tragédia o seu coração transbordou-se de tristeza.

Dentre os sobreviventes salvos por Teseu, um deles, uma das virgens, olhando para o mar, chamou-o pela primeira vez pelo nome do seu rei.

A partir desse dia todos os atenienses passaram a chamar o mar de Mar Egeu.

O nome de Teseu ficou na memória afetiva do povo oscilando entre o herói e o traidor.

Alguns que gostam de interpretar tragédias e atitudes humanas, andaram dizendo que teria sido uma semente do Minotauro que, no suor da luta, transmitiu a Teseu o mal, que ele consolidou no abandono da boa Ariadne.

Foi apenas falta de amor.